A Circular de Oferta de Franquia (COF) é o instrumento por meio do qual a franqueadora apresenta ao candidato a franqueado informações sobre a franqueadora, negócio franqueado, franqueado ideal, interações associativas e condições contratuais. Trata-se de instrumento de disclosure que impõe à franqueadora, detentora de informações sobre o seu sistema e o sobre o mercado em que atua, o dever e o ônus de revelar informações claras, objetivas e sinceras para auxiliar o candidato a franqueado, parte desinformada, na tomada de decisão quanto ao ingresso ou não na rede franquias.
A COF deve ser apresentada pela franqueadora ao candidato a franqueado com antecedência mínima de 10 dias da assinatura do contrato de franquia ou do recebimento de quaisquer valores (art. 2º, §§ 1º e 2º, da lei 13.966/2019). O conteúdo mínimo que deve constar obrigatoriamente da COF está previsto nos incisos do art. 2º, da lei 13.966/2019. Por se tratar de conteúdo obrigatório mínimo nada obsta que a franqueadora apresente outras informações, mormente se tais informações forem decisivas para a escolha do candidato a franqueado.
Parece-nos que, com a Pandemia, dentre as informações a serem obrigatoriamente expostas pela franquedora, merecem atenção as seguintes: balanços e informações financeiras da empresa franqueadora dos últimos dois exercícios (inciso III), descrição detalhada da franquia e descrição geral do negócio (inciso V) e condições para incorporação de novas tecnologias às franquias (inciso XIII, d).
A pandemia do Novo Coronavírus, como se sabe, levou a OMS (Organização Mundial da Saúde) a recomendar a adoção de medidas de distanciamento social e maximização das medidas sanitárias em todo o mundo para dificultar a disseminação do vírus. A crise sanitária fez com que a maioria da população precisasse ficar em casa por determinação governamental durante meses, sendo determinado, inclusive, lockdown durante semanas em algumas cidades. Como medida preventiva, a população foi orientada a utilizar máscaras, álcool em gel e a manter distância segura de outras pessoas.
Após mais de seis meses do reconhecimento da pandemia do novo coronavírus pela OMS, ainda não há previsão de “normalização” da vida. Há quem fale que o mundo nunca mais voltará a ser o mesmo. Tornou-se comum a referência ao “novo normal”. Ou seja, normalização da vida com a absorção pela população das medidas sanitárias impostas pelas medidas preventivas em relação ao novo coronavírus.
A volta ao “novo normal” tem ocorrido com medidas de flexibilização do isolamento social e intensificação das medidas de higienização. A crise econômica, contudo, já é uma realidade e a extensão dos seus efeitos ainda é incerta.
Em razão das medidas de isolamento social lojas e restaurantes permaneceram fechados por meses fazendo com que as empresas precisassem se adaptar ao e-commerce; cursos, escolas e faculdade precisaram se adequar ao EAD; academias precisaram encontrar formas de manter a fidelidade de seus clientes mesmo fechadas; escritórios comerciais foram desativados e seus trabalhadores passaram a trabalhar em homeoffice, outros foram demitidos; indústrias de bens considerados não essenciais reduziram a produção; a demanda por consumo, naturalmente, sofreu enorme retração. Por outro lado, algumas empresas puderam experimentar aumento de faturamento, a exemplo daquelas vinculadas ao ramo de saúde e higiene.
No “novo normal”, os estabelecimentos comerciais puderam reabrir, mas com limitação de pessoas por metro quadrado e adoção de medidas de higienização dos ambientes e das pessoas. O uso de máscaras e álcool em gel por funcionários e clientes se tornou comum; muitas pessoas, principalmente integrantes dos grupos de riscos em relação ao patógeno, permanecem em isolamento doméstico.
O “novo normal” normal, sem dúvida, é um desafio para as empresas e para as pessoas. A disponibilidade financeira e as prioridades dos consumidores mudaram. A forma de vender também mudou. Não se sabe por quanto tempo irá viogorar o “novo normal” e se o “velho normal” voltará a existir. Fato é que as empresas precisaram se adaptar às novas tecnologias e às novas necessidades de mercado e precisarão continuar se adaptando para sobreviver.
Como falávamos acima, a franqueadora precisa apresentar informações transparentes e sinceras para que o candidato a franqueado possa decidir da forma mais imparcial possível sobre o seu ingresso, ou não, na rede.
Parece-nos que para cumprir o normativo que determina a descrição detalhada da franquia e descrição geral do negócio (art. 2º, V, da lei 13.966/2019), a franqueadora deve apresentar não só o seu comportamento pré-pandemia, mas a forma com a qual lidou com a crise econômica, quais foram os comportamentos de seus consumidores e de seus concorrentes, quais os impactos no setor e quais as perspectivas para o futuro do mercado consumidor com o “novo normal” e com a eventual retomada ao “velho normal”.
É preciso esclarecer que o balanço patrimonial e as demonstrações financeiras de 2018 e 2019 (dois últimos exercícios) – art. 2º, II, da lei 13.966/2019 – não refletem a situação da franqueadora durante a crise. Da mesma forma, a partir de 2021, o balanço patrimonial e as demonstrações financeiras deverão vir acompanhadas das notas técnicas que expliquem a situação econômico-financeira da empresa no ano de 2020 com os impactos da crise. De acordo com a BDO Canadá, é necessário considerar, por exemplo, impactos sobre perdas de créditos e projeções de fluxo de caixa, rescisões contratuais, multas, indenizações e reembolsos decorrentes da crise gerada pela Pandemia1.
Importa salientar, ainda, que a crise do Novo Coronavírus fez com que as empresas fossem obrigadas a evoluir, do ponto de vista tecnológico, em meses, o que normalmente demoraria anos para acontecer. Por isso, mais do que nunca, a forma de incorporação de novas tecnologias às franquias (art. 2º, XIII, “d”, da lei 13.966/2019) precisa estar claras no instrumento de disclosure.
Nos Estados Unidos, precursor da legislação protetiva na indústria de franquias, as franqueadoras estão autorizadas pelo item 19 da FTD Franchise Rule a apresentar ao franqueado, no instrumento de disclosure, uma simulação de performance financeira de uma unidade franqueada com base em dados históricos. Diante da Pandemia do Novo Coronavírus e das alterações no mercado já mencionadas, a NASAA (North American Securities Administrarion Association) foi instada por diversos franqueadores a se manifestar acerca da manutenção da simulação do item 19 em suas Circulares. De acordo com o parecer da NASAA2, as empresas cujas atividades econômicas apresentaram alteração substancial na performance financeira devem retirar a simulação financeira com base em dados históricos de suas Circulares.
A nossa conclusão, portanto, é no sentido de que a franqueadora deve fornecer em sua COF informações o mais realistas possível. Não se está a falar que a franqueadora deve prever o futuro ou prever exatamente o que será implantado em cada etapa de suas atividades. Está-se a falar que a franqueadora não deve fornecer informações que não sejam condizentes com o momento pós-pandêmico, devendo apresentar, sempre que possível, como se dará o processo por meio do qual ocorrem as decisões de implantação de novas tecnologias na rede.
*Raif Daher Hardman de Figueiredo é bacharel em Direito pela UFPE. Pós-graduado em Direito dos Contratos pela FGV-SP. Associado do IBDCont. Advogado.
**Arnaldo Rizzardo Filho é bacharel em Direito pela PUC-RS. Mestre em Direito Público pela Unisinos. Advogado, professor e autor.
1 Disponível aqui.
2 Disponível aqui.