Texto de autoria de João Pedro Leite Barros e Marcelo Matos Amaro da Silveira
Introdução
Após um “longo e tenebroso inverno” finalmente temos no Brasil uma lei que cuida dos impactos da pandemia de Covid-19 nas relações privadas, o que já era esperado há algum tempo por todos os operadores do direito. A lei 14.010/2020, sancionada na sexta-feira, dia 12 de junho de 2020, finalmente corporiza e positiva as normas trazidas pelo PL 1179/2020, estabelecendo o denominado Regime Jurídico Emergencial e Transitório em matéria de direito privado.
O mencionado projeto, de autoria do senador Antônio Anastasia e relatoria da Senadora Simone Tebet, como se sabe, foi elaborado pela pena de grandes civilistas em conjunto com o presidente do STF e ministros do STJ. Sua tramitação se deu “a jato” no Senado Federal, mas acabou andando a passo mais lento na Câmara dos Deputados e praticamente “encalhando” na mesa da Presidência da República, somente sendo sancionada no último dia do prazo e com 8 dos seus 21 artigos vetados.
A lei, grosso modo, determina a suspensão ou impedimento de contagem dos prazos de prescrição, decadência e usucapião, traz a permissão da “virtualização” das reuniões e assembleias das pessoas jurídicas, altera o regime da prisão do devedor de alimentos, e também suspende o prazo de abertura do inventário e finalização da partilha no direito sucessório. Ela também regulou algumas questões de direito concorrencial e de certo modo modulou o início de vigência da LGPD, que entrará em vigor no dia 1º de agosto de 2020, mas somente terá suas sanções e penalidades produzindo efeitos a partir de agosto de 2021.
Além disso é preciso destacar que os vetos acima mencionados atingiram artigos que tratavam de proibição de reuniões e assembleias presenciais, regras de interpretação da revisão dos contratos, suspensão de despejos liminares, restrições relacionadas com o direito condominial, transporte em rodovias e remuneração de aplicativos de transporte. Esses vetos ainda serão apreciados pelo Congresso Nacional, sendo possível que alguns artigos surjam novamente.
Já quanto ao nosso objeto de estudo, o Direito do Consumidor, a lei trouxe impactos diretos e indiretos ao art. 49 do Código de Defesa do Consumidor. Isto porque, além do seu art. 8º trazer ressalvas expressas ao artigo, o seu artigo 3º, mais especificamente no §2º, contém norma que tangencia o direito de arrependimento do consumidor. O objetivo do presente texto é, portanto, evidenciar e analisar quais são os impactos e suas consequências.
O direito de arrependimento do consumidor
Como bem se sabe as relações contratuais são formadas pelo princípio do pacta sunt servanda, que pode se verificar com maior ou menor força dependendo do tipo de relação verificado. Inegável dizer que quando as partes estabelecem entre si uma relação obrigacional elas se vinculam, sendo fundamental destacar esse aspecto mesmo no contexto atual da pandemia1.
Nesse viés, assevera CLOVIS DO COUTO E SILVA que a obrigação é um processo cujo fim é o cumprimento2, sendo que o programa obrigacional decorrente polariza para o adimplemento, o que evidencia a força obrigatória dos contratos. A vinculação, aliás, é um dos principais elemento que dá força às relações obrigacionais, já que é ela que garante que o objetivo buscado pelos contratantes seja alcançado, através do cumprimento das obrigações.
Mesmo que se argumente, de forma absolutamente correta, que esse princípio deva ser lido em conjunto com outros (como o da boa-fé objetiva e da função social) e que sua incidência seja mais ou mesmo robusto dependendo do tipo de contrato ou da sua natureza, não se pode ignorar sua importância.
Essa máxima também afeta o direito do consumidor, sendo certo que há nesse campo que ora analisamos a existência de vínculo entre o consumidor e o fornecedor3, que mesmo relativizada e de certa forma enfraquecida, ainda assim garante a obrigatoriedade dos pactos. Neste sentido, considerando que não se verifique a incidência de outros princípios ou eventuais abusividades, o contrato celebrado entre o consumidor e o fornecedor deve ser cumprido pontualmente e em sua totalidade.
Portanto, se a vinculação entre as partes e o cumprimento da obrigação constituem a regra desse tipo de relação, a livre desvinculação somente pode ser encarada como algo extraordinário. O direito de arrependimento representa uma ruptura na realidade normal do direito das obrigações, já que rompe com a vinculação das partes, e consequentemente significa uma quebra do pacta sunt servanda4. O direito de arrependimento, ou retratação, portanto, não é a regra geral do direito obrigacional, somente podendo ser verificado quando haja autorização legal expressa ou quando seja pactuado pelas partes5.
Dentro dessa noção fundamental, é válido destacar o disposto no art. 49 do Código de Defesa do Consumidor, que garante a possibilidade de arrependimento, pelo consumidor, do contrato celebrado fora do estabelecimento comercial6. A norma, portanto, suaviza a força obrigatória nas relações contratuais de consumo quando a compra do produto ou contratação do serviço se der “fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio”. Importante que se diga que o conceito da expressão “fora do estabelecimento comercial” também se aplica às contratações eletrônicas, sendo a norma consumerista complementada pelo decreto 7.962/20137.
O direito de arrependimento, também conhecido como prazo de reflexão, é um direito legítimo, potestativo8, irrenunciável9 e indisponível que surgiu para responder essencialmente aos problemas colocados pelo descompasso do regime geral da invalidade dos vícios da vontade, especialmente da coação e erro. Visa, por essência, a proteger a declaração de vontade do consumidor10. Com isso o CDC garante um tempo 7 dias para que a pessoa que comprou um bem por meio remoto possa refletir melhor sobre sua compra, e eventualmente exercer seu direito de retratação, desistindo da compra muitas vezes adquirido por impulso.
Além disso, no âmbito dos contratos eletrônicos, e das já tradicionais compras pela internet, emerge, efetivamente, a necessidade de proteção do consumidor, a fim de evitar as compras por impulso ou realizadas sob forte influência da publicidade sem que o produto esteja sob contato do consumidor ou sem que o serviço possa ser melhor examinado11. Com efeito, a desconfiança na contratação eletrônica tem origem em sua natureza jurídica sui generis: ausência de contato físico com o vendedor, a fluidez ou desmaterialização da contratação, o caráter atemporal da oferta, a complexidade técnica jurídica e a própria execução do contrato, sem contar a busca desenfreada por parte de fornecedores de esconder as frequentes políticas comerciais ávidas pelo lucro.
Em conclusão: apesar de abrandar a força obrigatória dos contratos, o que não deixa de ser uma ingerência na autonomia privada12, se analisado formalmente, o direito de arrependimento serve para contrapor a força econômica dominante do fornecedor em detrimento da vulnerabilidade absoluta do consumidor.
O impacto direto: Art. 8º da lei 14.010/20
Com o irrompimento da pandemia causada pela Covid-19 grande parte da população mundial se viu subitamente obrigada a iniciar processos de isolamento social, o que o que não foi diferemente da situação verificada no Brasil. A partir do final do mês de março de 2020 as principais cidades e estados do país, em maior ou menor medida, estabeleceram normas que determinaram o fechamento do comércio e encerramento de atividades econômicas que não eram essenciais, e tal movimento acabou sendo complementado pela adoção do regime de trabalho remoto por diversas empresas, e a adesão maciça das pessoas à “quarentena” ou isolamento voluntário.
Essa situação fez com que uma realidade que já estava em franca expansão virasse praticamente a regra, e com isso o comércio eletrônico passou a ter um protagonismo considerável no mercado de consumo. Diante do fechamento dos shoppings centers e das “lojas de rua” das principais cidades, os consumidores passaram a ser obrigados a fazer suas compras online. Da mesma forma, com as restrições de funcionamento dos restaurantes o pedido delivery, através dos aplicativos ou do contato direto com o estabelecimento, se tornou a única opção para consumir “comida de fora”.
Parece inegável dizer que, passado mais de 90 dias do início da “quarentena”, certos hábitos já sofreram alterações permanentes, sendo inegável que a pandemia irá contribuir para a consolidação definitiva do comércio eletrônico e dos pedidos delivery. Como bem aponta MARÍLIA DE ÁVILA E SILVA SAMPAIO13 durante a pandemia houve um aumento expressivo do consumo pela internet, tanto de produtos essenciais quanto de produtos supérfluos. E essa situação não é só verificada no Brasil, sendo certo que o dono da gigante do comércio eletrônico da Amazon caminha a passos largos para se tornar a primeiro trilionária do mundo14, o que será potencializado pela pandemia.
Considerando essas premissas parece ser totalmente prudente que uma lei que regulasse aspectos de direito privado em razão da pandemia trouxesse uma norma sobre as compras fora do estabelecimento, e mais especificamente aquelas relacionadas com o sistema de delivery. E foi nesse contexto que o RJET trouxe o art. 8º, estabelecendo que:
Art. 8º Até 30 de outubro de 2020, fica suspensa a aplicação do art. 49 do Código de Defesa do Consumidor na hipótese de entrega domiciliar (delivery) de produtos perecíveis ou de consumo imediato e de medicamentos.
Trata-se de norma que busca dar certa segurança jurídica nos tempos de pandemia, estabelecendo hipóteses de ressalva ao direito de arrependimento do consumidor, aplicando uma interpretação extensiva do artigo 49 em favor dos fornecedores15. É um dispositivo, desta forma, que não é imune a críticas, pois de certa forma limita o direito do consumidor. Contudo, na nossa opinião ele traz uma orientação correta e e com importante cariz pedagógico.
A suspensão da aplicação do direito de arrependimento nas hipóteses de pedidos delivery e de medicamentos parece ser equilibrada e necessária para os tempos pandêmicos16. Em uma primeira análise, percebe-se que é uma norma certeira e pontual, porque acaba evitando que os consumidores comprem produtos de consumo imediato e medicamentos e tenham que posteriormente “quebrar” o isolamento para devolver o produto.
Detidamente, a norma parece apenas consolidar uma “suspensão de direito” que efetivamente nunca existiu. A verdade é que não faz muito sentido permitir, por exemplo, que um consumidor peça uma pizza por meio de um aplicativo e 7 dias depois se arrependa do pedido. No mesmo sentido, não é prudente autorizar que haja desistência após a compra por telefone de um medicamento. Em ambas as situações é possível afirmar, de certa forma, que o direito de arrependimento nunca foi um verdadeiro direito.
Sobre o tema, há muito já defendíamos17 que as restrições ao direito de arrependimento são válidas, desde que os produtos ou serviços em voga possuam natureza especial, como aqueles citados na RJET, assim como outros, como o caso de bens personalizados, ebooks, etc.
Destarte, verifica-se no art. 8º um caráter pedagógico, confirmando uma noção que é absolutamente consentânea com o objetivo do art. 49 do CDC. Assim, correta a orientação do legislador ao restringir de forma expressa a possibilidade de retratação dos consumidores que fizerem pedidos delivery ou comprarem medicamentos fora do estabelecimento comercial.
Por fim, ressalta-se que essa norma não se aplica para as hipóteses de produtos que sejam entregues com vícios, como a pizza sem o recheio desejado, ou o medicamento com o lacre violado, pois aí estaríamos diante de vício ou defeito do produto18. Sempre importante sublinhar que o arrependimento é um direito potestativo do consumidor, a ser praticado sem qualquer justificativa. Por outro lado, sempre há também a possibilidade de devolução de produtos ou serviços que possuam vícios, pois nesse caso estamos diante de inadimplemento do fornecedor.
Existe nesse caso a quebra na confiança da relação consumerista, que justifica a incidência das normas de responsabilidade previstas nos artigos 18 a 25 do CDC19. Esse regime permanece intacto pelo RJET, que somente estabeleceu a suspensão do direito de arrependimento até o dia 30 de outubro de 2020 para as hipóteses acima examinadas, e somente nessas situações.
O impacto indireto: Art. 3º da lei 14.010/20
Já evidenciamos o impacto direto do RJET sobre o direito de arrependimento do consumidor, que fica suspenso em alguns poucos casos nos termos do art. 8º da lei ora em análise. Mas como já deu para perceber, esse não é o único impacto no art. 49 do CDC que vislumbramos. É possível apontar um impacto indireto que decorre do art. 3º da lei da pandemia, cujo conteúdo é, in verbis:
Art. 3º Os prazos prescricionais consideram-se impedidos ou suspensos, conforme o caso, a partir da entrada em vigor desta Lei até 30 de outubro de 2020.
§ 1º Este artigo não se aplica enquanto perdurarem as hipóteses específicas de impedimento, suspensão e interrupção dos prazos prescricionais previstas no ordenamento jurídico nacional.
§ 2º Este artigo aplica-se à decadência, conforme ressalva prevista no art. 207 da lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil). (grifo nosso)
A mencionada norma determina a suspensão ou impedimento dos prazos prescricionais desde o início da vigência do RJET até o dia 30 de outubro de 2020, sendo inegavelmente uma disposição feliz e que traz necessária segurança jurídica em tempos pandêmicos. Além disso, o artigo 3º, em razão do seu parágrafo 2º, estende essa suspensão ou impedimento aos prazos decadenciais, que como se sabe em regra não sofrem incidências suspensivas e/ou impeditivas20.
Importante sublinhar que a decadência é, na lição de JOSÉ FERNANDO SIMÃO, “fenômeno extintivo de direitos potestativos aos quais se fixou um prazo para seu exercício”21. Considerando essa importante lição, é possível facilmente verificar o prazo de 7 dias para exercício do direito de arrependimento previsto no art. 49 do CDC é um prazo decadencial. Sendo o arrependimento um direito potestativo o prazo para exercê-lo será, sem sombras de dúvidas, decadencial.
Desta forma, levando-se em conta a natureza do prazo arrependimento e determinação de suspensão dos prazos decadenciais contida na lei 14.010/2020 perguntamos: o prazo do direito de arrependimento, a partir da entrada em vigor do RJET, está suspenso ou impedido dependendo?
A resposta é positiva! Inegável afirmar que os prazos do art. 49 do CDC restaram impedidos ou suspensos durante o prazo previsto no RJET, sendo certo que os ditames do seu art. 3º aplicam-se aos prazos decadenciais previstos no diploma consumerista22. Assim, excetuando-se as hipóteses em que o direito de arrependimento estiver suspenso pelo art. 8º do RJET, o prazo do direito de arrependimento não corre. Se o prazo já tiver iniciado ele será suspenso até a data limite. Se ele não tiver iniciado ainda, especialmente porque a compra fora do estabelecimento foi realizada após o início da vigência do RJET, ele estará impedido até a data limite.
Ultrapassado esse ponto, contudo, uma outra pergunta deve ser feita: o que significa dizer que o prazo de 7 dias para exercício do direito de arrependimento pelo consumidor está suspenso ou impedido? Aqui a resposta da pergunta não é tão simples, e merece uma maior reflexão.
A princípio, dizer que o prazo está suspenso ou impedido significaria dizer que o consumidor teria até o dia 30 de outubro de 2020 para se retratar da compra feita. Ou seja, imaginemos que uma pessoa compre uma calça e uma blusa em um site de compras online no dia 1º de julho de 2020. Se os prazos decadenciais estão suspensos, a tendência seria dizer que essa pessoa poderia desistir da compra até 7 dias depois do dia 30 de outubro de 2020. Porém, essa não é a interpretação mais correta.
Isto porque o exercício do direito de arrependimento pelo consumidor é um ato complexo que demanda, além da declaração de vontade de desistir da compra, um ato material, qual seja, a devolução do produto comprado. O consumidor não pode apenas informar ao fornecedor sobre o arrependimento, ele deve necessariamente devolver o bem adquirido. Se tal ato material não se efetivar o direito de arrependimento nunca produzirá efeitos, se tornando inválido.
O ato de arrependimento pode ser identificado como bifásico, dependendo de uma ação declaratória (a retratação) e uma ação material (a entrega). Nesses termos, devemos levar em conta essa premissa, bem como a intenção da norma, para interpretar da melhor forma como se procede a suspensão ou o impedimento do prazo de exercício do direito de arrependimento.
Entendemos, portanto, que a suspensão ou impedimento do prazo somente interfere no ato material de devolução do produto, e não à declaração de vontade. Isto significa dizer que o consumidor, para se arrepender do contrato celebrado fora do estabelecimento, deve informar a sua intenção ao fornecedor dentro do prazo do art. 49 do CDC. Porém, o ato material de devolução do produto, fica suspenso, podendo ser exercido a partir do dia 30 de outubro de 2020.
Não custa lembrar que o consumidor deve cientificar o fornecedor o seu exercício do direito de arrependimento por qualquer meio disponível, seja por telefone, e-mail, aplicativo, site ou qualquer outra forma, bastando uma declaração inequívoca do ato. Para tanto, é possível adotar de forma análoga a orientação do enunciado 619 da VIII Jornada de Direito Civil do CJF, que diz: “a interpelação extrajudicial de que trata o parágrafo único do art. 397 do Código Civil admite meios eletrônicos como e-mail ou aplicativos de conversa on-line, desde que demonstrada a ciência inequívoca do interpelado, salvo disposição em contrário no contrato”.
Por outro lado, é oportuno dizer que, ao lado do fornecedor, encontra-se o instituto do abuso do direito, disposto no artigo 187 do CC23. Referido instituto impõe limites da autonomia privada no exercício do direito subjetivo e funciona como dispositivo de segurança para as normas jurídicas formalmente aplicadas, atuando sobre o exercício do direito subjetivo, no caso destaque, o direito de arrependimento do consumidor24. Exemplificando: não pode o consumidor dar uso ao produto25 e, ainda que esteja no prazo para o exercício do direito de arrependimento, exercê-lo, em total afronte à boa-fé nas relações de consumo, ou seja, se a pessoa comprar um tenis pela internet e tão logo receba o produto corra uma maratona, não pode exercer o direito de arrependimento, mesmo que esteja dentro do prazo de 7 dias. Trata-se de atuação em abuso de direito, que é vedada no ordenamento brasileiro.
Conclusão
Retomando o raciocínio, a sugestão ora exposta parece ser a interpretação mais harmoniosa com as normas de proteção do consumidor e também com a sua segurança e integridade, já que a necessidade de isolamento se mantém, mesmo que os movimentos de reabertura das cidades se verifiquem no presente momento. Várias cidades que iniciaram processos de reabertura começar a ver os índices de contágio e internações pela covid-19 aumentar, ficando claro que as pessoas devem tentar permanecer em isolamento o máximo que puderem, somente saindo de casa quando for imprecindível, o que certamente não é o caso de uma devolução de produto comprado de forma remota.
Assim, voltando ao caso da pessoa que compra a calça e a blusa no site de compras online, portanto, defendemos que ela tenha que informar à loja de sua desistência no prazo de 7 dias da compra. Por outro lado, a “obrigação” de devolver o produto fica suspensa até a data limite definida no RJET, devendo o ato material ser particado após 30 de outubro de 2020, ressalvada a possibilidade do fornecedor, por conta própria e com totalmente segurança, recolher o produto junto ao consumidor se assim desejar.
Por fim, sempre bom destacar que caso o consumidor tenha problemas com o fornecedor, o caminho primevo é a tentativa de resolução administrativa da questão26. A negociação e o diálogo são fundamentais nesse momento, sendo fundamental que as partes se comuniquem e ajam da forma mais aberta e transparente possível. Cabe ao consumidor, portanto, informar dentro do prazo a sua desitência da compra, e ao fornecedor ou aguardar o fim do prazo, ou se movimentar para recolher o produto, sendo certo que se alguma divergência se verificar eles devem dialogar e negociar.
*João Pedro Leite Barros é professor em Direito do Consumidor na Universidade de Brasília. Doutorando em Direito Civil pela Universidade de Brasília/ Universidade de Lisboa. Mestre em Direito Civil pela Universidade de Lisboa. Especialista em Direito do Consumidor e Direito da Arbitragem pela Universidade de Lisboa. Especialista em Direito Processual Civil pelo IDP. Associado Titular do IBERC. Advogado.
**Marcelo Matos Amaro da Silveira é mestre em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Especialista em Arbitragem pela mesma Faculdade. Graduado em Direito pela Faculdade Milton Campos/MG. Membro fundador do Instituto Brasileiro de Direito Contratual – IBDCont. Associado Titular do IBERC. Advogado em BH.
1 Como bem aponta PIANOVSKI, Carlos Eduardo. A força obrigatória dos contratos nos tempos do coronavírus. Disponível aqui.
2 SILVA, Clovis do Couto e. A obrigação como Processo. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006, p. 23.
3 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 6. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 275-276
4 GOMIDE, Alexandre. Direito de Arrependimento nos Contratos. 217 f. Tese (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL), Lisboa, 2009, p. 116-119.
5 Como no caso das arras penitenciais: SILVEIRA, Marcelo Matos Amaro da. As Arras Penitenciais e o Exercício do Direito de Arrependimento. In: Revista Brasileira de Direito Contratual, vol. 2, p. 50 e ss. Porto Alegre: Lex Magister, 2020.
6 GOMIDE, Alexandre. Direito de Arrependimento nos Contratos, cit., p. 161-162.
7 SCHREIBER, Anderson. Contratos Eletrônicos e Consumo. Revista Brasileira de Direito Civil, vol. 1, p. 88-110, Rio de Janeiro, 2014, p. 104-105.
8 TARTUCE, Flávio; NEVES, Daniel Amorim Assumpcão, Manual de Direito do Consumidor. 3. ed. São Paulo: Método, 2018, p. 380.
9 Como defende GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: contratos e atos unilaterais. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2019.
10 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais, p. 866.
11 MARQUES, Cláudia Lima; BENJAMIN, Antonio Herman V.; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais: 2010, p. 911 e ss.
12 ALMEIDA, Carlos Ferreira de. Direito do consumo. Coimbra: Almedina, 2005, p. 114.
13 SAMPAIO, Marília de Ávila e Silva. A suspensão do direito de arrependimento do artigo 49 do CDC. Disponível aqui.
14 Disponível aqui.
15 GAGLIANO, Pablo Stolze; OLIVEIRA, Carlos E. Elias de. Comentários à “Lei da Pandemia” (14.010/20 – RJET): Análise Detalhada das Questões de Direito Civil e Direito Processual Civil. Disponível aqui.
16 SAMPAIO, Marília de Ávila e Silva. A suspensão do direito de arrependimento do artigo 49 do CDC. Disponível aqui.
17 BARROS, João Pedro Leite. O direito de arrependimento nos contratos eletrônicos como forma de extinção das obrigações. Um Estudo de Direito Comparado Luso-Brasileiro. In: Estudos de Direito do Consumidor. Centro de Direito do Consumidor da Universidade de Coimbra. n.14. 2018, p.149 e ss.
18 Como bem apontam CATALAN, Marcos; GERCHMANN, Suzana Rahde. Se eu estiver a ser sincero hoje, que importa que tenha de arrepender-me amanhã? Disponível aqui.
19 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais, p. 1204-1207.
20 TARTUCE, Flávio. Direito Civil: lei de introdução e parte geral, v. 1, 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 583.
21 SIMÃO, José Fernando. Prescrição e Decadência: início dos prazos. São Paulo: Atlas, 2013, p. 193.
22 GAGLIANO, Pablo Stolze; OLIVEIRA, Carlos E. Elias de. Comentários à “Lei da Pandemia” (14.010/20 – RJET): Análise Detalhada das Questões de Direito Civil e Direito Processual Civil. Disponível aqui.
23 Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
24 Sobre o tema, já tivemos oportunidade de nos manifestar. Confira: BARROS, João Pedro Leite. O excesso de informação como abuso do direito (dever). Revista Luso-Brasileira de Direito do Consumo, Curitiba, v. 7 n. 25, p. 11-60, mar. 2017.
25 Aqui não se confunde com a possibilidade de o consumidor de testar/provar o produto, aferindo sua qualidade.
26 Como já defendemos em BARROS, João Pedro Leite. Diálogo como fiel da balança – mudança de paradigma em face do covid-19, disponível aqui.