Objeções à suposta inaplicabilidade jurídica do inadimplemento eficiente (efficient breach) no Brasil

Introdução

É de conhecimento geral no mundo jurídico que o inadimplemento obrigacional pode se dar tanto totalmente quanto parcialmente, sendo que a diferença entre ambos é, essencialmente, a utilidade da obrigação para o credor – se não há mais interesse do credor no cumprimento da obrigação, trata-se de inadimplemento total (ou absoluto), enquanto que, se ainda há interesse por parte do credor, o inadimplemento é considerado parcial. 

A aparente dualidade entre o inadimplemento total e o inadimplemento parcial, no entanto, não alcança todas as situações de não cumprimento das obrigações. Uma delas é o inadimplemento eficiente, que será abordado neste breve trabalho.

O ponto de partida 

Juliana Krueger Pela define inadimplemento eficiente (efficient breach) como a situação em que os custos que o devedor tem para cumprir uma prestação excedem o benefício do credor em ter a prestação adimplida. Assim, sempre que isso acontecesse, o não cumprimento da obrigação seria economicamente eficiente e o inadimplemento deliberado estaria autorizado.

Em seu trabalho “Inadimplemento Eficiente (Efficient Breach) nos Contratos Empresariais“, Juliana Kruger Pela (i) expõe alguns casos concretos em que se verifica o problema do inadimplemento eficiente, (ii) demonstra possíveis soluções jurídicas para tal situação, (iii) aborda os obstáculos legais à sua aplicabilidade no Brasil e, por fim, (iv) critica a unificação do direito contratual positivo brasileiro, que teria feito com que esses obstáculos legais incidissem indistintamente sobre os contratos cíveis e empresariais.

Entendemos que a crítica feita à unificação é merecida. E, para que isso fique claro, convém analisar se os obstáculos legais à aplicação da teoria do inadimplemento eficiente no Brasil subsistem à análise teleológica de dois princípios basilares da teoria geral dos contratos: o princípio da boa-fé e o princípio da função social.

A boa-fé como garantia de um contrato empresarial eficiente 

Dentre os obstáculos à utilização do conceito de inadimplemento eficiente no Brasil, o primeiro que chama atenção é a cláusula geral da boa-fé (Art. 422 do Código Civil). A ideia é que a boa-fé não se harmonizaria com o inadimplemento deliberado, uma vez que esta impõe às partes contratantes o dever anexo de cooperar para a execução do contrato.

Ocorre que outro dever anexo ínsito à boa-fé é o de informar a outra parte sobre o conteúdo do negócio, “[…] esclarecendo os fatos relevantes e as situações atinentes à contratação, procurando razoavelmente equilibrar as prestações […]” (AZEVEDO, p. 29, 2019), e, nesse ponto, a crítica à unificação do direito contratual positivo brasileiro começa a fazer sentido.

Se o intérprete considerasse as diferenças entre os contratos cíveis e empresariais, especialmente no que tange à alocação de riscos e objetivos, chegaria à conclusão de que, nos contratos empresariais, o dever de informar a outra parte sobre o conteúdo do negócio auxilia na avaliação que ela fará sobre os riscos desse negócio e sobre seus impactos no mercado. Isso, sem dúvida, é cooperar na execução do contrato, até porque a boa-fé objetiva “exige que as partes atuem de modo a garantir obtenção, por ambas, do resultado útil programado” (PEREIRA, p. 21, 2020).

Nesse contexto, portanto, um inadimplemento eficiente pode se tornar vantajoso para uma das partes, ou para ambas, sem violar a boa-fé objetiva. Basta, para isso, que o cálculo feito pela parte contratante para saber o que fica mais caro (cumprir ou não cumprir o contrato) parta das informações sobre o conteúdo do contrato prestadas pela outra.

Função social e inadimplemento eficiente como instrumentos para a preservação de direitos coletivos

Se a cláusula da boa-fé não é obstáculo à aplicabilidade do inadimplemento eficiente no Brasil, menos ainda o é a cláusula da função social (Art. 421 do Código Civil).

A premissa é a de que, quando exercida nos limites da função social, a liberdade de contratar deixa de focar apenas nas pretensões individuais dos contratantes e se torna um instrumento de preservação de interesses coletivos, já que “o contrato não pode ser mais concebido como uma bolha que envolve as partes […]” (TARTUCE, p. 100, 2017).

Como dito anteriormente, antes de celebrar um contrato empresarial, as partes contratantes avaliam os riscos e os impactos do contrato no mercado. Se elas fazem essa avaliação, o que está em jogo não é apenas uma pretensão subjetiva entre os contratantes, mas também uma disputa entre ambos os contratantes e os demais agentes econômicos do mercado. Ao interpretar o contrato dessa maneira, o intérprete faz uso da cláusula da função social, pois este princípio “[…] funciona como uma agulha, forte e contundente, que fura a bolha […]” (TARTUCE, p. 101, 2017).

Portanto, escolher inadimplir deliberadamente um contrato empresarial, nesse contexto, pode ir além de proporcionar vantagens para os agentes econômicos contratantes. Essa escolha pode proporcionar vantagens a consumidores, por exemplo, na medida em que inadimplir pode fazer com que um agente econômico fuja da onerosidade excessiva e, com isso, consiga se posicionar melhor no mercado diante de outro agente econômico.

A rapidez, a agilidade e o dinamismo característicos dos contratos empresariais, aliás, têm o objetivo de evitar a onerosidade e a lesividade (MARTINS, p. 447, 2015). Além disso, no direito empresarial, a esperteza e a sagacidade dos agentes econômicos são presumidas (FORGIONI, p. 119, 2016).

Logo, a pergunta que fica é: não é ágil e sagaz o devedor que escolhe não cumprir um contrato por perceber que o custo para o seu cumprimento é superior à vantagem que ele proporcionará para o credor, economiza com isso, e consegue concorrer com outros agentes econômicos, baixando os preços de determinado produto ou serviço?

Entendemos que sim. E entendemos também que essa sagacidade atende muito bem à função social dos contratos empresariais, justificando novamente a crítica feita por Juliana Kruger Pela à unificação do direito contratual positivo brasileiro. Afinal de contas, são nos contratos empresariais que os interesses concorrenciais se manifestam e “se um dos fundamentos do bem-estar do consumidor é sua liberdade de escolha entre várias opções diferenciadas […] não há como considerar uma regra aplicada explicitamente com o objetivo de proteger a competição ‘ineficiente’ do ponto de vista do consumidor” (SALOMÃO FILHO, p. 76, 2013).

Considerações finais

Como se pôde demonstrar aqui, o inadimplemento eficiente das obrigações, como um terceiro gênero de inadimplemento obrigacional, não deve ser considerado incompatível com o ordenamento jurídico brasileiro, pelo menos não por uma suposta incompatibilidade com as cláusulas gerais da boa-fé (Art. 422 do Código Civil) e da função social dos contratos (Art. 421 do Código Civil).

Ao contrário, embora possam haver restrições à aplicação desse instituto aos contratos de natureza civil, não se vislumbra qualquer tipo de incompatibilidade quando se foca nos contratos de natureza empresarial, que possuem características próprias e exigem habilidades diferentes das partes.

Essas breves objeções à suposta inaplicabilidade jurídica do inadimplemento eficiente no Brasil demonstram que a dualidade entre inadimplemento total e inadimplemento parcial é aparente, pois o interesse do devedor no cumprimento da obrigação também pode definir o tipo de inadimplemento. Essa discussão, longe de ser estritamente acadêmica, é extremamente relevante do ponto de vista prático, pois são nessas áreas cinzentas que os conflitos aparecem e se justifica o trabalho do jurista. 

Referências

AZEVEDO, Álvaro Villaça. Curso de Direito Civil: Teoria Geral dos Contratos. ed. 4. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.

FORGIONI, Paula A. Contratos Empresariais: Teoria Geral e Aplicação. ed. 2. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais Ltda., 2016.

MARTINS, Fran. Curso de Direito Comercial. ed. 38. Rio de Janeiro: Forense, 2015.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil: Contratos. ed. 24. Rio de Janeiro: Forense, 2020.

SALOMÃO FILHO, Calixto. Direito Concorrencial. São Paulo: Malheiros Editores Ltda., 2013.

TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie. ed. 12. Rio de Janeiro: Forense, 2017.

Esse artigo também foi publicado no Migalhas. Você pode acessá-lo clicando aqui.

Tiago Cação Vinhas
Doutorando e Mestre em Direito Comercial pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Professor Adjunto de Direito Privado na Faculdade Pública de Linhares (FACELI). Diretor de Interiorização e Ampliação Regional do Instituto Brasileiro de Direito Contratual no Espírito Santo (IBDCONT-ES). Advogado no Espírito Santo.
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