Contrato de seguros na revisão e atualização do Código Civil brasileiro

Introdução

A Victor Hugo, um dos mais importantes escritores do século XIX, é atribuída a frase “nada é mais poderoso do que uma ideia que chegou no tempo certo“, que tem características românticas e políticas como o próprio autor que além de escritor foi deputado e, combateu duramente a pena de morte em seu país. 

A Comissão de Revisão e Atualização do Código Civil instalada pelo presidente do Senado da República em agosto de 2023, presidida pelo ministro Luis Felipe Salomão, do STJ, e que tem como relatores dois dos maiores juristas contemporâneos, prof. dra. Rosa Maria de Andrade Nery e prof. dr. Flávio Tartuce, é com toda certeza uma ideia que chegou no tempo certo.

Desde a entrada em vigor do CC/02, em janeiro de 2003, surgiram projetos, comentários, propostas, sempre com objetivo de atualizar o texto de lei e, revisar equívocos involuntariamente cometidos no processo de discussão e aprovação. É possível afirmar que havia consenso entre os civilistas brasileiros de que o projeto aprovado em 2002 nasceu com ares de meados do século XX, insuficiente, por isso mesmo, para dar conta das grandes transformações que as diferentes sociedades têm vivido no século XXI, em especial, nas áreas econômica e social.

Assim, a constituição de uma Comissão de Juristas para revisar e atualizar os diferentes capítulos do Código Civil foi uma ideia no tempo certo, porque ao desejo de mudança que já existia desde 2002 se somou a experiência acumulada nesses 21 anos de vigência da lei civil com as decisões dos tribunais estaduais, dos tribunais superiores, dos instigantes debates das Jornadas do Conselho Federal de Justiça, do CNJ, e pelo trabalho dos doutrinadores que exaustivamente pesquisaram, escreveram, atualizaram, compararam com o direito civil de outros países, e publicaram livros e artigos ao longo de todos esses anos.

É preciso ponderar, no entanto, que um código precisa ter linha lógica, fios condutores que permitam organicidade, interpretação sistemática e coerente. E, nesse sentido, a Comissão de Juristas tomou a decisão de manter integralmente os princípios que orientaram o Código de Miguel Reale: a sociabilidade, eticidade e operabilidade, que ao longo dos últimos 21 anos se mostraram de enorme relevância no trato com a interpretação e aplicação do direito aos casos concretos oriundos da hipercomplexidade que, na atualidade, caracteriza a sociedade em que vivemos. 

Não se trata de uma reforma do Código Civil, de uma lei nova, mas sim de um criterioso e cuidadoso processo de revisão e atualização, sem desprezar as diretrizes que orientaram o trabalho dos juristas que nos antecederam.

1. Contratos de seguro no Código Civil

O tratamento do CC/02 aos contratos de seguro teve aspectos inovadores. O contrato foi definido como instrumento para garantir ao segurado mediante o pagamento do prêmio seu interesse legítimo sobre pessoas ou coisas, contra riscos predeterminados. No Código Civil de 1916 a definição caracterizava o contrato como instrumento que obrigava o segurador a indenizar, herança do Código Civil italiano de 1942, porém, inadequada para definir corretamente a principal obrigação que o segurador assume nesse contrato bilateral, além de inaplicável para os contratos de seguro de pessoas.

A responsabilidade de garantir o interesse legítimo do segurado contra riscos predeterminados que possam atingir bens ou pessoas, reforça a ideia do mutualismo como elemento essencial que alicerça os contratos de seguro. Afinal, para garantir é preciso organizar e administrar e esse é, exatamente, o principal papel do segurador na constituição do fundo mutual de onde sairão os recursos necessários para o pagamento das indenizações quando e se necessárias.

Apesar dessa inovação e de algumas outras pontuais, o CC/02 não abordou temas que àquela época já eram relevantes para segurados e seguradores. Por essa razão, a Comissão de Juristas buscou revisar artigo por artigo do capítulo XV à luz da construção jurisprudencial e, a partir da contribuição dos enunciados das jornadas e do trabalho dos doutrinadores.

Além disso, há um minucioso trabalho de integração e adequação do Capítulo XV, dos Contratos de Seguro, às normas da Parte Geral do Código Civil, da Parte Geral dos Contratos e, em especial, ao novo capítulo sobre Direito Digital que integrará o Código Civil cujo projeto está sendo construído. 

O novo capítulo XV cuida, ainda, de ressaltar sempre que necessário, a prevalência da lei especial federal de proteção do consumidor, a lei 8.078/90, o CDC, na aplicação aos contratos de seguro denominados como massificados, ou seja, aqueles em que há um consumidor na condição de contratante ou, mais especificamente, de aderente às condições prefixadas pelo segurador.

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Angélica Carlini
Advogada. Doutora em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Mestre em Direito Civil pela UNIP. Pós-doutorado em Direito pela PUC/RS. Docente na Escola de Negócios e Seguros e professora convidada no Programa de Mestrado em Administração da UNIP e na pós-graduação da Escola Paulista de Direito - EPD. Diretora Acadêmica da Associação Internacional de Direito do Seguro e vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito Contratual – IBDCONT.
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