Em tempos de crise, mediar é preciso e arbitrar mais ainda

Texto de autoria de Paulo Roberto Nalin

Desde que a pandemia do covid-19 desembarcou no Brasil, todos os esforços têm se voltado a que o país e a sociedade brasileira sigam caminhando para mantermos a normalidade, na medida do possível.

Nessa toada, recentemente observamos a união de esforços do STF e do Senado Federal na criação e aprovação do PL 1.179/2020, o qual busca ajustar, de modo transitório e parcial, regras de Direito Privado, almejando estabilizar alguns setores sensíveis das relações interprivadas: assembleias em sociedades empresárias, compras pela internet, despejos, usucapião, resilição, revisão e resolução de contratos, pensão alimentícia etc., foram alguns dos temas cirurgicamente tratados pelo projeto de lei, que ainda carece de aprovação pela Câmara dos Deputados.

Entretanto, não obstante a elogiável iniciativa, não se pode suspender e alterar, ainda que transitoriamente, todo o macro sistema jurídico que compõe o Direito Privado (Código Civil, Código de Defesa do Consumidor, CLT, Lei das S/A, só para citar algumas fontes), mesmo porque não se sabe o que significa transitoriedade em tempos de pandemia. Com efeito, este mesmo macro sistema, democraticamente aprovado em tempos de normalidade, segue válido e eficaz.

Cabe aos juristas nacionais a emissão de opiniões doutrinárias técnicas e desinteressadas, no sentido de interpretar as fontes do Direito Privado, excepcionalmente analisadas em tempos de crise, trazendo à luz significados e ressignificados dos institutos centrais do direito.

De vários e excelentes trabalhos publicados, chamam a atenção os textos dos professores Flávio Tartuce (O coronavirus e os contratos – extinção, revisão e conservação – boa-fé, bom senso e solidariedade, Migalhas Contratuais, 27/3/2020) e Anderson Schreiber (Devagar com o andor: coronavirus e contratos – importância da boa-fé e do dever de renegociar antes de cogitar de qualquer medida terminativa ou revisional, Migalhas Contratuais, 23/3/2020). Respectivamente, na ótica do bom senso negocial e do dever de renegociação, ambos contemplam a ideia comum do diálogo negocial que se impõe em tempos de crise. Nada mais acertado.

Já se sabe o que fazer, ao passo que este breve texto aborda como fazer o uso do bom senso e o dever de renegociação.

Mas voltando um passou atrás, cabe lembrar que todos que se formaram em Direito no Século XX e mesmo na largada do atual século tiveram uma formação centrada no Direito Privado e no culto ao litígio. As faculdades de direito formaram (e muitas ainda seguem nesta vala) profissionais do litígio. A primeira e inesquecível aula de Processo Civil é sobre o conceito de lide de Carnelluti (um conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida). Durante anos, ensinou-se como ir para a guerra e quais armas usar, almejando-se uma vitória acachapante contra o adversário, sem que se apresentasse ao acadêmico uma alternativa de autocomposição de interesses.

Por tal motivo, os doutrinadores, neste momento de crise pandêmica, estão preocupados e laborando incansavelmente, mediante diálogos acadêmicos, para trazer luz ao Poder Judiciário, no sentido de que ao final da lide se declare quem é vencedor e quem é vencido, mediante excepcionais interpretações, caso não prevaleça o bom senso e o dever de renegociação, no quadrante da ética contratual. A despeito de teorias que possam ser adotadas na defesa de pontos de vista acadêmicos, o que se almeja é que o sistema não entre em colapso, por meio de uma jurisprudencial fragmentada que possa trazer ainda mais insegurança jurídica às relações negociais privadas.

É como já foi apontado pelos Profs. Pablo Malheiros da Cunha Fronta e Ramiro F. de Alencar Barros (Impactos nos compromissos de compra e venda em incorporação imobiliária, Consultor Jurídico, 24/3/2020), a propósito do dinâmico mercado das promessas de compras e vendas imobiliárias: “[…] a beligerância negocial e judicativa não são as melhores alternativas para enfrentar a crise que se apresenta. Os efeitos deletérios da pandemia Covid-19 não apenas permitem como tornam exigíveis a revisão paritária da relação contratual pelas partes contratantes, constituindo-se como mandamento ético, inclusive, na preservação da atividade econômica em um contexto excepcional”.

Os riscos de uma lide podem ser afastados ou minimizados por meio da solução construída conjuntamente pelas partes, daí sendo necessário lembrar que para aqueles conflitos em ebulição ou já levados à apreciação do Poder Judiciário, a mediação é a melhor forma de composição de conflitos.

Cumpre àqueles advogados, formados na base do litígio, baixar armas e erguer a bandeira da pacificação, providenciando, caso o bom senso e renegociação fracassem, a instauração de procedimento de mediação extrajudicial do conflito. Isso porque, não obstante os valorosos esforços da doutrina e dos poderes públicos em manter a unidade do sistema, avizinha-se uma pandemia de ações judiciais sem precedentes, cujos resultados serão incertos e desencontrados.

Pouco conhecida e prestigiada nos meios jurídicos nacionais, mas de larga tradição no exterior, a mediação foi instituída pela lei 13.140/2015 que “Dispõe sobre a mediação entre particulares como meio de solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública”; e se mostra o caminho mais razoável e rápido para a solução de um conflito contratual. Quanto antes as partes reestabelecerem as bases do negócio ou decidirem pelo seu distrato, acolhidas concessões bilateralmente negociadas, melhor para todos.

Em um cenário de solução alternativa de conflitos, mas no plano dos contratos públicos, os dispute boards (comitês de solução de disputas), “técnicas não adversariais criadas para permitir a execução de obras de alta complexidade”, conforme explica o prof. Egon Bockman Moreira, já são uma realidade. Agora, o professor propõe a evolução para os crisis dispute boards (Crisis Dispute Boards, Gazeta do Povo, 3/4/2020), com uma sistemática mais dinâmica em relação à usual, próprias para tempos de crise.

Voltando à mediação propriamente dita, caso as partes não tenham previsto uma cláusula de mediação (art. 20, Lei de Mediação – LM – 13.140/2015) ou arbitral (art. 4 da Lei de Arbitragem – LA – 9.307/1996) ao estilo de cláusula compromissória escalonada, que contemple a mediação, possível, impulsionar o procedimento por meio de convite para se iniciar o procedimento (art. 21, LM)

O escopo da mediação é a obtenção negociada de um “termo final”, com o auxílio de um mediador, eleito pelas partes, que vem a ser o resultado do acordo, o qual terá a força de título executivo extrajudicial ou, quando homologado em juízo, de título executivo judicial.

O mediador extrajudicial será remunerado, quando o litígio decorrer de contratos comerciais ou societários e as partes aceitarem o procedimento, a não ser que forma diversa de remuneração tenha sido pactuada previamente pelas partes.

Essa configuração da mediação, com mediador escolhido pelas partes desde logo em cláusula contratual ou após a aceitação do convite para o procedimento, é denominada de mediação não institucional.

Nada obstante, a experiência tem demonstrado que tanto para a arbitragem quanto para a mediação, na hipótese de não terem as partes contratado um procedimento de mediação e/ou arbitragem institucional, melhor é a escolha de uma Câmara de Mediação e Arbitragem que possa administrar o procedimento, conferindo-lhe maior segurança e transparência, tanto do procedimento em si quanto dos seus custos.

Nesse sentido, o convite para a mediação não seria somente para o notificado aderir ao procedimento, tanto quanto para aceitar o Regulamento da Câmara apontada na notificação.

Caso as partes tenham eleito determinada Câmara de Mediação e Arbitragem e nela tenham logrado chegar a um acordo pela mediação, terão economizado um preciso tempo, recursos financeiros indispensáveis e poderão seguir com seus interesses. Do contrário, a própria Câmara poderá se encarregar de estabelecer o procedimento arbitral para a solução definitiva do conflito, agora vertida em lide, entretanto, arbitral.

Mesmo no cenário da falta de autocomposição, redobra-se a importância do emprego da arbitragem na solução de conflitos, sendo ainda mais destacadas as suas conhecidas vantagens, sobretudo em disputas envolvendo valores de alguma expressão econômica: a escolha da Câmara, a escolha dos árbitros, a especificidade técnica dos árbitros, a rapidez na solução do conflito e a confidencialidade.

No quadro atual, a se confirmar uma pandemia de ações judiciais, o fator duração do processo tem que ser avaliado paralelamente ao custo econômico da manutenção da lide, no sentido de que os processos judiciais tendem a ser mais longos, a despeito dos esforços do Poder Judiciário em modernizar-se, mediante o emprego de novas tecnologias. A ponderação entre estes dois fatores (tempo versus custo) derruba o mito de que o processo arbitral é custo, pois não existe custo maior do que o tempo longo e incerto de um processo judicial.

Em geral, as mais prestigiadas Câmaras instaladas no Brasil estão funcionando com normalidade, ressalvadas, caso a caso, novas regras de protocolamento de petições físicas, audiências presenciais, reuniões com peritos e assistentes, fatores para os quais há muito as Câmaras de Mediação e Arbitragem já vinham se adaptando às novas tecnologias assim denominadas não presenciais.

Os advogados devem aos seus clientes a reinvenção de seus conhecimentos “litigiosos”, obtidos dos bancos das faculdades de Direito, e debater a solução pacífica dos conflitos, a partir do bom senso e da renegociação dos contratos. Na impossibilidade disso acontecer, o convite à mediação é necessário e a arbitragem a solução final.

Pois, nada será como antes. Todos devem ter a consciência disso!

*Paulo Roberto Nalin é professor de Direito Civil da UFPR. Doutor em Direito Civil pela UFPR. Fundador e Diretor do Instituto Brasileiro de Direito Contratual (IBDCONT). Advogado e árbitro.

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